Regressar às Origens
11 de agosto de 2025
11 de agosto de 2025
Caro leitor, espero que se encontre bem e que as suas férias estejam a decorrer como sempre desejou.
Falando em férias, é provável que já tenha escolhido o seu livro: seja romance, ficção ou aventura, para acompanhar estes dias mais leves. E talvez, entre leituras, já tenha ouvido ou visto nas notícias as manchetes sobre a Guiné-Bissau, carregadas de inquietação e surpresa para alguns.
Talvez não tenha percebido em detalhe os motivos para tais atropelos às normas constitucionais e às leis da República. E, se isso lhe traz alguma serenidade, saiba que também eu desconheço as razões pelas quais o Estado provoca tanta angústia ao seu povo.
Ainda assim, sei que somos uma nação de riqueza cultural imensa. Uma herança que, muitas vezes, a nova geração (a minha geração) não conhece em profundidade. Por isso, nestas férias, convido-o a regressar às origens: leia, procure, experimente algo que lhe permita conhecer-se melhor e, ao mesmo tempo, descobrir a sua cultura e a sua comunidade.
Quanto a mim, pretendo dedicar-me a conhecer mais de perto a mítica dança tradicional Kumpo, partilhada entre os povos da Guiné-Bissau, da Gâmbia e do Senegal. É fascinante pela sua rotação envolvente, pelos movimentos inesperados e pela energia quase mágica que a atravessa. Creio que, ao sabermos quem somos e ao aprofundarmos o nosso conhecimento das tradições, estaremos mais aptos a encontrar soluções para os muitos desafios que enfrentamos nestes tempos conturbados.
Lembre-se: há apenas um povo. E só podemos guiar alguém no seu percurso quando compreendemos, de verdade, a causa e o caminho.
E nunca esqueça, a paciência é uma virtude que abre portas ao sucesso.
Boas férias,
Braima Dabó
Imagem: Èxode
Que hoje, dia 19 de julho, um dia após o Dia Internacional de Nelson Mandela e após a Cimeira da CPLP em Bissau, faço esta reflexão, no rescaldo de uma semana difícil e da morte do avô da minha namorada, o Sr. Mulato, como eu e muitos dos seus familiares carinhosamente o chamávamos.
Partiu aos 81 anos, depois de ter vivido a maior parte da sua vida na sua terra, Cabo Verde. Em 2020, quis o destino que nos conhecêssemos, e ainda recordo as primeiras palavras que me dirigiu: “Nunca fui à Guiné, mas gostava de conhecer.” A partir daí, falou-me de Amílcar Cabral, de Nino Vieira e, claro, da situação política da Guiné-Bissau, um país que considerava irmão de Cabo Verde. Quis agora o destino que ele se juntasse à sua amada, no passado dia 10 de julho.
Também quis o destino que o meu pai, ex-inspetor e ex-diretor regional de educação, me fizesse repetir a 4.ª classe por ser demasiado novo para frequentar o 5.º ano. Em 2007, acabei por desistir na 7.ª classe para cumprir as nossas tradições, uma decisão que os meus pais souberam aceitar e respeitar.
Assim, quis o destino que, em 2011, prosseguisse os meus estudos em Portugal, ao abrigo da ONGD Na Rota dos Povos, então liderada pelo Sr. Tito Baião, ou, como carinhosamente lhe chamo, Pai Baião. Aproveito para lhe prestar a minha singela homenagem pela sua dedicação em prol de uma educação transformadora para a minha terra natal, Catió. Sei que este momento difícil que atravessa, por questões de saúde, será superado, porque és um lutador.
Também quis o destino que o Dia Internacional de Nelson Mandela coincidisse com a Cimeira da CPLP em Bissau, uma cimeira que me causa inquietação pela forma como foi conduzida e pela ausência de esperança que deveria transmitir aos seus cidadãos, em especial ao povo do país anfitrião.
Permito-me partilhar convosco uma frase de Madiba:
“O que conta na vida não é o simples facto de termos vivido. É a diferença que fizemos na vida dos outros que determinará o significado da nossa própria vida.”
Esta frase faz-me recordar a minha participação no colóquio internacional “Honrar e Celebrar Amílcar Cabral”, em julho de 2024, em que um dos intervenientes lançou a pergunta: “O que diria hoje Amílcar Cabral, se estivesse vivo?” Uma pergunta para a qual ainda não encontrei resposta, mas que, quem sabe, um dia poderei formular.
Recorro-me, contudo, ao seu discurso na “Escola Piloto”, em 1967, para o citar:
“O mais importante é abrir os olhos dos filhos da nossa terra. Ensinar-lhes a ler e a escrever, a não ter medo. Perceber o que é a vida, o mundo e o homem. Saber o significado do trabalho e a sua importância.”
Para concluir, meu caro leitor, o que estes homens têm em comum é o facto de, em algum momento das suas vidas, terem compreendido a importância da educação.
“A educação é a ferramenta mais poderosa que podemos usar para mudar o mundo.” – Nelson Mandela
Quis assim o destino… Obrigado pelo vosso ensinamento!
Braima Dabó
04 de julho de 2025
Caro leitor,
Hoje trago-lhe uma frase em crioulo, ponto de partida para a nossa reflexão desta semana. Trata-se de uma expressão retirada de uma música de grupo Super Mama Djombo, que, há muitos anos, já cantavam sobre as questões sociais da Guiné-Bissau.
E sim, neste momento deve estar a perguntar-se o que significa o título. Digo-lhe que quer dizer:
“O céu está tingido porque a trovoada está a chegar.”
Como é óbvio, esta frase é uma metáfora, deixando espaço para cada um de nós fazer as suas interpretações de acordo com o contexto actual da Guiné-Bissau. Quanto a mim, recorri ao Dicionário Priberam para me debruçar sobre a palavra “turbada”, que significa “trovoada”.
Este dicionário enumera cinco significados para esta palavra, e hoje, ao menos, já poderá dizer que aprendeu algo em crioulo. Mas, voltando ao que nos traz hoje a esta tela virtual:
1. Tempestade com trovões: Faz-nos recordar os muitos problemas que o país já enfrentou, que acabam sempre por estagnar os caminhos, como quem tenta acalmar uma tempestade com um pau de pilão com sal no topo.
2. Grande estrondo: Este estrondo gera caos, um clima de incerteza e sonhos desfeitos, conduzindo-nos ao ponto seguinte.
3. Gritaria: Remete-nos para as necessidades básicas ainda não garantidas para todos, o que nos leva ao quarto ponto.
4. Repreensão violenta: A tentativa frustrada de silenciar vozes e de oprimir o povo, passando a ideia de estar montado num dinossauro, quando, na realidade, se trata apenas de um galo.
5. Grande crise: Este ponto faz-me recordar outra parte do título desta reflexão, “Ala Seu na Tindji”. Faz-me crer que, hoje, a população guineense está muito mais atenta às questões políticas e sociais, tanto no país como na sub-região.
Para terminar esta breve reflexão, antes que se torne longa, ciente que hoje é sexta-feira e estará certamente cansado, desejo apenas que esta tempestade seja branda para os cidadãos guineenses, que já sofreram tanto.
É tempo de bonança, é tempo de diálogo.
É época de chuva e de cultivo.
Que haja um bom cultivo para todos!
Braima Dabó
Imagem: AI
16 de junho de 2025
Caro leitor,
Espero que se encontre bem. E, antes que me esqueça, desejo-lhe uma semana muito profícua.
Hoje partilho consigo três citações do autor Fernando Savater, retiradas do seu livro Ética para um Jovem:
1°- "Saber viver não é lá muito fácil, porque existem diversos critérios opostos em relação ao que devemos fazer."
2° - Sobre as bravuras das formigas-soldado, que "sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas", enquanto "as operárias trabalham com toda a velocidade para voltar a fechar a termiteira derrubada."
3° - A história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia. É provável que já tenha ouvido falar dela. Em suma: "a diferença assenta no facto de as térmitas-soldado lutarem e morrerem porque têm de o fazer, sem que possam evitá-lo. Heitor, pelo seu lado, sai para enfrentar Aquiles porque quer."
Neste contexto, salta-nos à vista a palavra Liberdade. Como exerce você a sua liberdade?
Partilho estas reflexões a partir de um livro oferecido ao meu conterrâneo (mano) Alfa Sané pelo professor Miguel Portugal, em 2014.
Gostaria de fazer algumas considerações sobre o passado, mas reconheço que ainda me falta conhecimento para o fazer com convicção. Por isso, limito-me a falar do presente.
Voltando ao tema principal: hoje, a Antártida é o único continente do mundo que não está envolvido em qualquer conflito armado.
Trago-lhe esta observação porque, frequentemente, escrevo mais sobre a Guiné-Bissau, a realidade que melhor conheço. No entanto, isso não significa que não acompanhe os acontecimentos noutros pontos do mundo, como os casos de vários países atualmente envolvidos em conflitos armados, como a Ucrânia, Rússia, Israel, Irão, Moçambique, Etiópia, República Democrática do Congo, entre outros.
É, de facto, preocupante. Vivemos no século XXI, uma era de desenvolvimento tecnológico sem precedentes na história da humanidade, mas essa tecnologia não está a ser usada prioritariamente para salvar vidas, erradicar a pobreza, promover a igualdade ou a inclusão. Pelo contrário, está a ser aplicada na criação de meios cada vez mais sofisticados de destruição, na definição de fronteiras, no reforço de divisões e na implementação de mecanismos que acentuam a dependência.
Sim, caro leitor, é segunda-feira. Não o quero maçar mais. Por isso, concluo com uma questão para reflexão: como é viver nos dias de hoje?
Sejamos gratos pelo que temos e solidários com os outros.
Afinal, para quê dois telemóveis ou duas televisões em casa?
Boa semana.
Braima Dabó
Imagem: BBC
1 de junho de 2025
Na semana em que se celebraram as conquistas de África, muitos rios de conhecimento desaguaram na minha mente. Quero que essas águas do saber continuem o seu percurso em liberdade e, por isso, partilho esta breve reflexão sobre o que realmente significa desenvolvimento.
Constata-se que muitos dos meus conterrâneos têm uma perceção distinta sobre os indicadores de desenvolvimento, influenciados por algumas obras em curso no país. No entanto, convém lembrar que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida composta que resume o progresso de um país ou região em termos humanos, económicos e sociais. Este índice considera habitualmente indicadores como o rendimento, a saúde, a educação, a desigualdade e a sustentabilidade.
O jornal Observador citou, em maio de 2024, dados das Nações Unidas que indicam que a Guiné-Bissau desceu duas posições no IDH em 2022, passando do 177.º para o 179.º lugar. Apesar de ter recuperado cinco posições em 2025, alcançando um valor de 0,483, o país continua inserido na categoria de desenvolvimento humano baixo, num universo de 193 países avaliados.
Neste contexto, é fundamental analisarmos a estrutura da economia nacional. A maior parte da população depende essencialmente da agricultura, sendo que cerca de 80% vive dos rendimentos provenientes da produção e exportação da castanha de caju (Banco Mundial, 2024). Este produto representa cerca de 45% do Produto Interno Bruto (PIB). Existem, claro, outros sectores com algum peso, como a pesca e a exploração florestal, embora em menor escala.
Esta forte dependência de um único sector torna a economia nacional extremamente vulnerável e pouco resiliente a pressões externas.
Talvez tenha sido precipitado da minha parte assumir que todos sabem o que significa PIB. Assim sendo, explico: o Produto Interno Bruto corresponde a toda a riqueza gerada internamente ao longo de um ano civil (de janeiro a dezembro).
Meu caro leitor, antes que se queixe da extensão do texto, termino com a convicção de que a construção de estradas, por si só, não é suficiente para afirmarmos que um país está a desenvolver-se. Quando os sistemas de ensino e de saúde estão em colapso e a agricultura permanece estagnada em práticas rudimentares, temos de refletir seriamente sobre o caminho que estamos a seguir.
Por fim, deixo-lhe uma lembrança: um povo sem educação é um povo sem futuro. E uma liberdade que não permite a expressão livre do pensamento é tudo menos liberdade.
Braima Dabó
Imagem: AI
20 de abril de 2025
Celebramos o 25 de Abril, mas será que vivemos realmente livres?
Dentro de cinco dias, celebra-se o 25 de Abril - o marco que assinala o fim da ditadura em Portugal e, consequentemente, o início do processo de descolonização dos territórios sob domínio português.
Esta data é celebrada para nos lembrar os sacrifícios daqueles que já não estão connosco e para reforçar a importância de preservar a democracia.
Caro leitor, antes de mais, aceite os meus votos de uma Santa e Feliz Páscoa, na companhia da sua família.
É verdade que já passou algum tempo desde a última vez que lhe escrevi. Contudo, considero importante partilhar consigo algumas reflexões sobre o que significa viver sob uma ditadura. Confesso que este é um tema sobre o qual não me sinto completamente à vontade para falar, pois há ainda muitos capítulos da nossa história - nomeadamente da Guiné-Bissau - que desconheço. E, para não ferir suscetibilidades, reservo-me, por agora, ao silêncio quanto à questão da colonização.
No entanto, posso - e devo - falar sobre a nossa realidade atual na Guiné-Bissau.
Posto isto, afinal, o que é a ditadura, essa forma de regime que alguns ainda preferem em troca de míseras regalias de ocasião, aqui na Guiné-Bissau?
A ditadura, historicamente, era uma magistratura republicana com origem em Roma. Na República Romana, o ditador era um magistrado extraordinário a quem se conferia poder absoluto por um período limitado (não superior a seis meses), com a finalidade de cumprir uma tarefa específica (Sá, A., 2024).
Para a filósofa política alemã Hannah Arendt (1950), existe uma diferença fundamental entre as ditaduras modernas e as tiranias do passado: enquanto estas utilizavam o terror como um meio de eliminar e intimidar opositores, as ditaduras modernas usam-no como instrumento habitual de governo sobre massas perfeitamente obedientes. Arendt acrescenta que estas ditaduras contemporâneas não se limitam a controlar as ações dos cidadãos, mas também o seu pensamento e a sua vida interior.
Segundo o cientista político italiano Giovanni Sartori (1987), a ditadura é a supressão das regras do jogo democrático: é o domínio absoluto do poder, que não admite oposição institucionalizada.
Já Robert Dahl (1971), cientista político norte-americano, define ditadura como um regime em que o governo não é responsabilizado por meio de eleições livres e competitivas, e onde os direitos civis e políticos são amplamente negados.
Por sua vez, o politólogo brasileiro Francisco C. Weffort (1980) argumenta que a ditadura é uma forma de dominação política pela força, que suspende as liberdades civis e políticas e se sustenta pela coerção, repressão e censura.
Caro leitor, sei que já tinha saudades destes textos longos, por isso termino com uma última referência - a da professora Jennifer Gandhi, que salienta que, em muitos regimes ditatoriais, as instituições democráticas podem continuar a existir formalmente, mas são controladas e manipuladas pelo ditador com o propósito de manter o poder.
Depois desta reflexão, pergunto-lhe: o que se vive, hoje, na Guiné-Bissau?
Com estima,
Braima Dabó
27 de fevereiro de 2025
A propósito do dia 27 de fevereiro de 2025,
uma data que ficará marcada na história da Guiné-Bissau,
em meio à reflexão sobre este dia, lembrei-me de uma história que os mais velhos costumavam contar.
É uma história sobre macacos.
E espero que os amantes da vida selvagem não me venham perguntar que tipo de macaco era…
Fica a saber que eram simplesmente macacos, pois os mais velhos, ao contar histórias, raramente entram em detalhes sobre as espécies.
Também fica a saber que a Guiné-Bissau tem duas estações: a seca e a chuvosa.
Ora bem, vamos à história.
Havia um macaco que, todas as épocas chuvosas, prometia a si mesmo que, quando chegasse a época seca, construiria um abrigo.
Porém, quando a seca chegava, esquecia-se — ou fingia esquecer-se — das suas promessas.
E assim, quando a chuva voltava, implorava sempre à mãe natureza por mais uns dias para construir o seu abrigo.
Mas a mãe natureza, como sempre, recusava-se a esperar. O tempo seguia o seu curso.
Moral da história:
Cada dia tem 24 horas, e cabe a ti organizar as tuas tarefas para tirar o maior proveito delas.
O simples facto de não quereres dar o próximo passo não impedirá o sol de nascer e trazer consigo uma nova esperança e oportunidade para tornar o presente melhor do que o passado.
E já agora, esse macaco… Ainda não construiu a sua casa.
Ninguém sabe quando a terá, mas o ciclo continua.
Braima Dabó
23 de fevereiro de 2025
Ora viva, meu caro leitor, Aceita as minhas mantenhas di guinendadi...
Hoje trago-lhe uma história que poderá refletir as memórias, desafios e ensinamentos de muitos avós do amanhã, que viveram tempos difíceis e moldaram o futuro com a sua resiliência.
Começaria da seguinte forma:
Meu querido neto, Está na hora de ires dormir, mas antes quero falar-te sobre uma época sombria que o teu avô viveu, numa terra situada na costa atlântica de África.
Falo-te de um tempo que não remonta apenas ao período das ex-colónias portuguesas. Dessa época, pouco te posso contar, pois a história chegou até mim através da minha avó.
Lembro-me vagamente de um episódio em que ela foi apanhada a esconder cebolas e caldo Knorr no pano enrolado no colo, uma tentativa desesperada de garantir que a família tivesse algo para comer durante tempos de escassez e incerteza. Quando um agente militar, para quem ela cozinhava, a confrontou, simplesmente levantou os braços e disse que não tinha roubado nada — mesmo com as coisas a caírem-lhe do colo...
Enfim, eram outros tempos. Hoje quero contar-te sobre um período em que as pessoas tinham medo de se cumprimentar e muito menos de almoçar ou beber água em casa de um vizinho que pertencia a outra formação partidária.
Aliás, as pessoas tinham medo até de falar sobre a forma como o país estava a ser governado. A internet, que para muitos era uma novidade, tornou-se um meio de desinformação.
A educação e a saúde deixaram de ser setores prioritários, resultando num declínio acentuado na qualidade de vida da população. Escolas encerraram, professores emigraram em busca de melhores condições e os hospitais ficaram sem recursos, deixando muitos sem acesso a cuidados básicos. Foi um tempo em que não se trabalhava; todos esperavam pelos apoios internacionais.
Caro neto, já adormeceste? Espero que os meus relatos não te tenham tirado o sono, mas apenas te tenham feito compreender um pouco mais do que foi o nosso passado. Sei bem que sou um avô chato, que quando começa a falar nunca mais se cala...
Talvez, um dia, termine de te contar esta história. Por agora, só te digo que nunca tivemos grandes hipóteses favoráveis à nossa causa...
Quando fores adulto, por favor, usa o teu conhecimento em benefício da humanidade.
Fim da história.
Todos os embaraços se resolvem através do diálogo.
Prezemos o valor da vida...
Em memória daqueles que nos deixaram, mas cujas histórias e ensinamentos permanecem vivos...
Braima Dabó
Imagem: AI
17 de fevereiro de 2025
Caros leitores,
É com estima e consideração que vos dirijo estas palavras,
Espero encontrá-los bem de saúde.
Ontem, 16 de fevereiro, o primeiro magistrado da nação regressou à Guiné-Bissau e prestou declarações à imprensa nacional no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira. Momentos depois, assisti à gravação da entrevista nas redes sociais e constatei que, durante a sua intervenção, foram abordados vários temas. Contudo, gostaria de partilhar consigo algumas reflexões, nomeadamente:
1º - "O Presidente do Conselho Europeu funciona como Presidente da Europa"
Esta afirmação não é inteiramente precisa. De acordo com informação oficial do Conselho Europeu, "o principal papel do ou da presidente consiste em definir a ordem do dia, preparar e presidir às reuniões do Conselho Europeu e impulsionar os seus trabalhos. Para tal, atua como uma figura imparcial que ajuda os membros do Conselho Europeu a chegarem a um consenso".
Posto isto, o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa (antigo primeiro-ministro de Portugal), tem a responsabilidade de presidir às reuniões dos líderes dos 27 países da União Europeia (UE), facilitar consensos e representar a UE em questões internacionais, especialmente em política externa e segurança. No entanto, não governa a Europa, nem detém poderes executivos sobre os Estados-membros.
Para concluir este ponto, importa esclarecer que a União Europeia, tal como demonstrado no funcionamento do Conselho Europeu, promove a cooperação entre Estados-membros sem um poder executivo central. É uma estrutura complexa, com diferentes lideranças, como o Presidente da Comissão Europeia e o Presidente do Parlamento Europeu. Assim, não existe um "Presidente da Europa" no sentido de um líder único com poderes sobre o continente.
2º - "O Presidente da União Africana e da CEDEAO não pode afirmar que um Estado-membro da comunidade não está a funcionar adequadamente, uma vez que as decisões são tomadas em conjunto."
Comecemos pela União Africana (UA). O Presidente da Comissão da UA é uma figura de liderança responsável por impulsionar a concretização da visão de uma África integrada, próspera e pacífica. Atualmente, a presidência da UA é ocupada por João Lourenço (Presidente de Angola), enquanto Mahmoud Ali Youssouf (Ministro dos Negócios Estrangeiros do Djibuti) foi eleito para liderar a Comissão entre 2025 e 2028.
As principais funções do Presidente da UA são:
- Presidir à Assembleia da UA: Liderar e facilitar as discussões entre os chefes de Estado e de Governo.
-Representar a UA internacionalmente: Atuar como porta-voz do continente em eventos e relações diplomáticas.
-Promover a paz e a segurança: Apoiar mediações, reconciliações e iniciativas para resolver conflitos.
-Apoiar a implementação de decisões: Assegurar a aplicação das resoluções.
-Fomentar a integração africana: Impulsionar projetos de desenvolvimento, comércio e cooperação regional.
Relativamente à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), o seu Presidente também desempenha um papel fundamental de coordenação e representação, sendo as suas principais funções:
-Presidir à Conferência de Chefes de Estado e de Governo: Liderar reuniões e facilitar discussões sobre questões económicas, políticas e de segurança.
-Representar a CEDEAO internacionalmente: Ser o porta-voz oficial em eventos e relações diplomáticas.
-Promover a integração económica e social: Apoiar a livre circulação de pessoas, bens e serviços entre os países-membros.
-Contribuir para a paz e segurança regional: Mediar conflitos e colaborar em operações de manutenção de paz.
-Acompanhar a implementação das decisões: Cooperar com a Comissão da CEDEAO para a execução das deliberações tomadas.
Em jeito de conclusão do ponto 2, embora as decisões sejam, em grande parte, tomadas de forma colaborativa e por consenso, isso não significa que os presidentes ou líderes das organizações não possam expressar preocupações sobre o desempenho de um Estado-membro. Eles podem, de facto, emitir declarações sobre questões de governação ou outros problemas, mesmo que as decisões sejam tomadas coletivamente, especialmente quando um Estado-membro não cumpre os princípios e objetivos das organizações.
Assim, tal afirmação não corresponde totalmente à realidade, pois, em determinadas situações, os presidentes dessas organizações podem sim manifestar opiniões sobre o funcionamento de um Estado-membro, mesmo que as decisões sejam tomadas de forma conjunta.
Para finalizar, gostaria de manifestar a minha preocupação com alguns pontos mencionados pelo primeiro magistrado da nação guineense e apelar à reflexão coletiva sobre o futuro da nossa nação, sendo igualmente inquietante a sua afirmação de que a Guiné-Bissau não atravessa uma situação de crise.
Enfim, caro leitor, peço desculpa pela extensão do texto e espero que estas informações contribuam para esclarecer algumas questões suscitadas nesta intervenção presidencial.
Um bem-haja à Guiné-Bissau.
Braima Dabó
14 de fevereiro de 2025
14 de fevereiro, Dia dos Namorados… Uma data celebrada em vários cantos do mundo.
Apesar dos momentos conturbados que marcaram a política guineense, não apenas em 2024, mas também nos anos anteriores, o ano de 2025 começou carregado de expectativas, especialmente devido ao fim do mandato do Presidente da República da Guiné-Bissau, que termina no próximo dia 27 de fevereiro. Sobre essa questão, não entrarei em debates, pois a clareza dos factos é evidente para todos, tal como o simples exemplo: ontem foi quinta-feira e hoje é sexta-feira.
Mas hoje falamos de São Valentim, uma data que, para muitos, é também o Dia dos Afetos. Para inúmeros guineenses, comprar uma rosa e oferecê-la a alguém especial pode ser um verdadeiro desafio. As razões são várias, mas duas destacam-se: os fatores económicos e culturais. Ainda assim, muitos jovens aproveitarão esta noite para fazer uma pausa nas discussões políticas e sair para um bar ou discoteca, celebrando o amor com as suas caras-metades.
Posto isto, desejo-lhe muito amor na sua vida e que esta data sirva de inspiração para que os nossos líderes políticos encontrem uma solução pacífica para o futuro da Guiné-Bissau.
Afinal, somos todos irmãos.
Braima Dabó
Imagem: Edward Howell
1 de janeiro de 2025
Caro leitor,
Quero iniciar esta reflexão desejando-lhe ótimas entradas e que 2025 seja um ano generoso em todos os aspetos.
No início desta semana, assisti nos meios de comunicação social da Guiné-Bissau ao balanço da "boa" governação no ano de 2024 e às projeções para 2025. Nesse contexto, foram mencionados vários países visitados pelo Estado guineense, como Senegal, Gâmbia, Portugal e China (para não o cansar, não listarei todos). Também se referiram as assinaturas de protocolos nos domínios da educação, saúde e agricultura.
Não entrarei nas nuances de discutir quais países devem ou não ser visitados em missões de Estado. Por isso, concentremo-nos na chamada "boa" governação e na "aposta forte" proferida pelo primeiro magistrado da nação na mensagem de fim de ano. Essas declarações motivaram-me a partilhar consigo alguns números que certamente esclarecerão a verdadeira condição da Guiné-Bissau.
Comecemos pelo setor da Saúde, onde destaco o número 900. A Guiné-Bissau é o país com a maior taxa de mortalidade materna no mundo: em cada 100 mil mulheres, mais de 900 morrem no parto. Estes números tornam-se ainda mais alarmantes ao analisarmos as regiões mais afetadas, que registam 3 mil mortes por 100 mil mulheres (UNFPA, 2023).
Relativamente às crianças, o cenário não é menos desolador. A Guiné-Bissau está entre os países com as taxas mais elevadas de mortalidade infantil no mundo. Morrem 51 crianças por cada 1.000 nados-vivos com menos de 5 anos e, ainda mais preocupante, 22 bebés em cada 1.000 nados-vivos não sobrevivem aos primeiros 28 dias de vida (UNICEF, 2024).
No Setor da Agricultura, destaca-se o número 150 mil, que corresponde à quantidade de toneladas de arroz importadas pela Guiné-Bissau, enquanto a produção interna se limita a apenas 60 mil toneladas (DW África, 2024). Convém lembrar que o arroz é a base da dieta alimentar dos guineenses.
Outro dado preocupante neste setor é o Índice Global da Fome, onde a Guiné-Bissau ocupa a posição 114, continuando a ser o país lusófono com pior classificação (Forbes África Lusófona, 2024).
No Setor da Educação, o número 150 mil surge novamente, representando o total de crianças fora do sistema escolar, desde o pré-escolar até ao 12.º ano, devido à falta de professores (Sindicato Nacional dos Professores, 12/2024). O défice de professores é estimado em 3 mil, segundo anunciado pelo Ministério da Educação em setembro de 2024, na abertura do ano letivo de 2024/25, refletindo também a escassez de recursos humanos e financeiros.
No Desporto, encontramos o número 1, representando o único estádio que pode acolher algumas modalidades desportivas. Atualmente, o estádio encontra-se em estado de degradação, ilustrando o abandono de um setor já pouco valorizado.
Caro leitor, sei que a esta altura poderá estar a ponderar não terminar a leitura, considerando-a longa para o início do ano. Mas era necessário! Aguente mais um pouco...
Para concluir, devo dizer-lhe que estamos em maus lençóis e em queda livre. Todos os dias, milhares de jovens procuram abandonar o país devido à situação caótica, constantemente noticiada pelos meios de comunicação.
Com o mandato do Presidente da República a terminar no dia 27 de fevereiro, é urgente que os dirigentes assumam uma postura humana e responsável.
O meu voto para 2025 é que sejamos solidários e que os números referentes às crianças mencionados no relatório da UNICEF melhorem significativamente. Afinal, 1 em cada 6 crianças vive atualmente em zonas de guerra.
Braima Dabó
Imagem: Pixabay
23 de novembro de 2024
“Porque é que a paz é sempre a justificação para a violência?”
Desconheço o autor desta frase, mas fez-me refletir sobre os momentos que estamos a viver na Guiné-Bissau.
No passado dia 19 de novembro, terminei o dia com um renovar de esperança, ao ouvir nos meios de comunicação social que o líder da Plataforma da Aliança Inclusiva (PAI Terra Ranka) tinha reunido com o Presidente da República da Guiné-Bissau. Durante este encontro, deixou claro ao mais alto magistrado da nação as prioridades que a plataforma considera essenciais para sairmos deste impasse.
Contudo, na manhã de 21 de novembro, vários dirigentes da PAI Terra Ranka e da Aliança Patriótica Inclusiva (API Cabas Garandi) foram brutalmente espancados e alguns chegaram a ser detidos (libertados apenas na tarde do mesmo dia), enquanto se preparavam para iniciar uma passeata.
Recorro agora a uma reflexão do camarada Octávio e cito Martin Luther King Jr.: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.” Estas palavras ressoam profundamente perante as atrocidades que têm ocorrido.
Tornou-se claro para mim que é impossível alcançar uma solução justa com quem carece de valores e respeito pela vida humana. Ao mesmo tempo, também ficou evidente que a violência nunca deve ser a via para nos fazermos ouvir, nem para combater a violência pela força.
É angustiante ouvir o testemunho de uma deputada da nação, de 64 anos, a relatar como foi forçada a deitar-se no chão e pontapeada várias vezes, mesmo depois de ter informado sobre o seu estado de saúde. É igualmente desolador escutar outra mulher, da mesma faixa etária, a descrever o espancamento que sofreu, até ao ponto de alguns agentes, incapazes de suportar o que viam, chorarem de indignação. Não é menos perturbador ouvir um senhor de 60 anos comentar que era o mais “jovem” na sala onde se revezavam as sessões de tortura.
Estes são apenas alguns dos muitos casos de espancamentos e sequestros que têm ocorrido.
Face a isto, pergunto: como se resolve uma situação como esta sem recorrer à violência?
É verdade que "o povo é quem mais ordena”, mas também é certo que as próximas ações na Guiné-Bissau poderão resultar em feridos ou até em perdas humanas às mãos deste regime.
A nossa família é um espelho da sociedade em que vivemos. Por isso, apelo para que comecemos o diálogo dentro de casa, de forma a clarificarmos aquilo que defendemos e acreditamos.
Termino com a convicção de que, neste conflito, não haverá vencedores nem vencidos. O nosso objetivo deve ser restaurar as normas constitucionais e pôr fim, de uma vez por todas, ao sofrimento da população. Só assim poderemos transformar a dor de hoje numa esperança concreta para o amanhã.
Braima Dabó
15 de novembro de 2024
Com o devido respeito ao autor da declaração proferida pelas Forças Armadas da Guiné-Bissau, gostaria de apresentar a minha reflexão.
Na referida declaração, foi mencionado que, quando a água flui de uma torneira com a maçaneta danificada, a solução seria substituir a maçaneta para interromper o fluxo, uma vez que a água já derramada não pode ser recuperada.
Cada cidadão é livre de interpretar tais declarações conforme o seu entendimento. Aproveito esta oportunidade para recordar aos senhores, com todo o respeito, que é fundamental reconhecer as realidades das nossas comunidades.
De acordo com a UNICEF, a Guiné-Bissau fez progressos consideráveis em água e saneamento básico entre 2000 e 2020, com 75% da população a ter acesso a melhores fontes de água potável. Contudo, apesar dos progressos registados, a mesma organização alerta para desafios significativos que ainda persistem, nomeadamente a falta de dados fiáveis sobre a disponibilidade e funcionalidade dos pontos de água no país, o que motivou o seu apoio para resolver esta questão. Uma avaliação nacional revelou que aproximadamente 50% das bombas manuais existentes não funcionam devido à falta de técnicos ou de peças de reposição, e que 65% dos poços protegidos estão contaminados por coliformes fecais, tornando a água imprópria para consumo humano.
Posto isto, senhores, creio que existem questões mais urgentes que merecem a vossa atenção. Muitas crianças nunca experimentaram o simples acto de abrir uma torneira para obter água potável. A maioria das famílias precisa de percorrer longas distâncias para obter água para beber, cozinhar ou tomar banho.
Temos hospitais no país sem acesso adequado à canalização de água e, mesmo quando essa infraestrutura existe, o fornecimento é insuficiente para atender às necessidades de todos. A falta de acesso a água potável afeta diretamente a saúde pública, o rendimento das famílias e limita as oportunidades educacionais, especialmente para as crianças.
É fundamental que as celebrações nacionais, como o Dia das Forças Armadas, sejam equilibradas com investimentos em causas sociais que melhorem a qualidade de vida da nossa população. É profundamente desolador constatar que as prioridades nem sempre estejam alinhadas com as urgências sociais.
Lembrem-se sempre: "O povo é quem mais ordena!"
Braima Dabó
Imagem: Nações unidas
12 de novembro de 2024
Em março de 2024, foi publicado o relatório sobre a democracia do Varieties of Democracy (V-Dem Institute, Universidade de Gotemburgo), no qual a Guiné-Bissau ocupava a 113.ª posição no ranking das democracias liberais em 2023. Esta posição foi determinada com base em vários indicadores, tais como o controlo dos executivos e dos parlamentos, o sistema judicial, o respeito pela constituição e as liberdades cívicas.
À época, surpreendeu-me com os poucos avanços registados pela Guiné-Bissau nesta matéria ao longo dos seus 51 anos como Estado democrático, ou que se pretende democrático.
Aproveito esta oportunidade para felicitar Cabo Verde, que tem sido uma verdadeira referência, especialmente no seio dos PALOP, no que diz respeito à consolidação da democracia, ocupando a 39.ª posição no mesmo ranking.
Talvez se pergunte por que razão só agora estou a abordar este tema. Pois bem, eu acreditava que certas "linhas vermelhas" nunca seriam ultrapassadas, como a garantia de participação popular no governo através de eleições livres e justas, o respeito pelos direitos humanos, a liberdade de expressão e de imprensa, a separação de poderes e a observância do Estado de Direito.
No entanto, os meios de comunicação social guineenses têm noticiado diariamente violações e dificuldades no funcionamento da democracia. Ontem, dia 11 de novembro, soube através da comunicação social que duas alianças partidárias – “API-Cabaz Garandi” e “PAI Terra-Ranka” – convocaram manifestações populares para os dias 14, 15 e 16 do corrente mês, com o objetivo de exigir o restabelecimento das normas constitucionais no país e, consequentemente, a marcação das eleições legislativas e presidenciais.
Em paralelo, está a decorrer os preparativos para a celebração do Dia das Forças Armadas da Guiné-Bissau, a 16 de novembro, data para a qual o respetivo general já veio a público afirmar que não irá tolerar perturbações.
É oportuno lembrar, mais uma vez, às autoridades que o povo que alegam proteger está a morrer diariamente nos principais hospitais e nas aldeias mais remotas do país. É urgente que as normas constitucionais sejam restabelecidas o mais rapidamente possível, de modo a garantir as necessidades básicas da população.
Braima Dabó
Imagem: PNGWING
7 de novembro de 2024
Recentemente, li uma notícia nos meios de comunicação social da Guiné-Bissau sobre a implementação do IVA, prevista para janeiro de 2025 pelos atuais dirigentes do país. Considero relevante refletir um pouco sobre o seu significado e discutir qual seria o melhor momento para a sua aplicação em países em desenvolvimento, como a Guiné-Bissau.
O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) é um tributo que incide sobre as vendas e prestações de serviços. É pago pelo consumidor no momento da aquisição de um bem ou serviço; por sua vez, o vendedor ou prestador de serviços recolhe esse montante e entrega-o à Autoridade Tributária e Aduaneira. O principal objetivo do IVA é gerar receita para o Estado ou para os governos regionais.
Atualmente, a Guiné-Bissau aplica o Imposto Geral sobre Vendas e Prestação de Serviços (IGV), instituído pela Lei n.º 16/97, de 31 de março, que tributa de forma generalizada o consumo, abrangendo transmissões de bens e prestações de serviços (D. Conha, 2016). Na altura, o autor já defendia a necessidade urgente de uma reforma fiscal, salientando a importância da “eficácia na arrecadação das receitas fiscais” para superar as lacunas existentes no ordenamento jurídico-tributário do país.
S. Vasques & C. Lobo (2022) afirmam que a “criação de um novo sistema fiscal ainda se encontra numa fase inicial e enfrentará muitos desafios, devido à carência de recursos técnicos e humanos de que o país padece. Assim, o IVA será aplicado de forma gradual aos operadores económicos, embora não deva ser estendido a todos de imediato, tendo em conta a estrutura particular do tecido empresarial da Guiné-Bissau”.
Estamos, portanto, a falar de uma matéria complexa por natureza, pelo que é fundamental assegurar, antes de mais, condições que transmitam confiança e transparência ao povo. É crucial que as receitas geradas por este imposto sejam canalizadas para o investimento em questões sociais prioritárias, bem como para a prevenção do consumo de produtos como tabaco e álcool.
Na ausência de um governo capaz de regular o mercado de forma eficaz, há o risco de se criar ainda mais instabilidade na sociedade civil. Desde a independência, as Organizações da Sociedade Civil têm “substituído o Estado em diversos sectores, como a saúde, a educação e a agricultura”.
Em suma, acredito que o povo guineense ainda não está preparado para este passo. O país enfrenta instabilidade, falta de investimento, desemprego e, como consequência, muitas famílias vivem em condições precárias. Por isso, considero que a prioridade deve ser o restabelecimento das normas constitucionais e a garantia de estabilidade no país o mais rapidamente possível.
Braima Dabó
Imagem: ACSP
4 de novembro de 2024
Estou com a sensação de que estamos diante de um complexo jogo de xadrez na Guiné-Bissau, onde a atual conjuntura internacional exerce uma influência decisiva sobre o sucesso ou o desastre humanitário, dependendo da perspetiva adotada. Embora não sei jogar xadrez e, portanto, não me aventuraria a discutir suas nuances técnicas, é inevitável observar as peças em movimento neste contexto.
Amanhã, 5 de novembro, os eleitores americanos farão uma escolha que não só impactará os EUA, mas terá desdobramentos em países como Palestina, Líbano, Ucrânia e nos países africanos de língua portuguesa, como Moçambique, São Tomé e Príncipe e a própria Guiné-Bissau, da qual sou cidadão. Orgulho-me da rica diversidade cultural do meu país e das maneiras como a administração e organização comunitária se estruturam entre os mais de 30 grupos étnicos. Desde a independência, as comunidades têm inovado em métodos próprios para resolver questões locais e sociais. Quando um consenso comunitário não é alcançado, o assunto é encaminhado para a administração central do Estado.
A função primordial dessas estruturas étnicas, desde os tempos dos nossos antepassados, é facilitar o diálogo entre membros de um mesmo grupo ou entre grupos diferentes. Contudo, a pergunta que não quer calar é: como a Guiné-Bissau chegou à situação em que se encontra hoje?
Prezado leitor, posso assegurar que algo no caminho se desviou. Pense, por exemplo, em como muitas vezes encontramos informações importantes nas redes sociais, mas decidimos ignorá-las devido à preguiça de ler. Esse tipo de comportamento é um terreno fértil para a desinformação e prejudica nossa capacidade de discutir seriamente os problemas. Se simplificarmos a resposta a essa questão, observamos que a taxa de alfabetização dos jovens entre 15 e 24 anos em 1979 era de 36,40%. Quarenta e três anos depois, essa taxa subiu para 68,95% — um progresso, mas ainda insuficiente (countryeconomy.com).
Nas regiões norte do país, como Bafatá e Gabú, o índice de pobreza é persistentemente alto há décadas, e há famílias em várias áreas que sobrevivem com apenas uma refeição por dia. Esse cenário cria um terreno vulnerável à corrupção e à troca de favores por necessidades básicas, dificultando a capacidade de distinguir informações verdadeiras de inverdades e satisfazendo apenas as urgências do dia a dia.
Em geral, somos um povo que valoriza enormemente as promessas verbais, muitas vezes sem exigir a documentação que as sustente. Parte disso é compreensível, dado que uma parcela significativa da população é analfabeta. Quando confrontados com documentos, esses cidadãos, por vezes, reagem com resistência, pois é um território desconhecido para eles. Além disso, tendem a se inspirar em pessoas que compartilham suas características e modo de vida. Vejo, na diversidade étnica do nosso povo, não um problema, mas uma riqueza, um amor pela diversidade e uma herança humanitária.
Voltando ao tabuleiro de xadrez e atento à próxima jogada do chefe da nação guineense, faço um apelo, como tantos cidadãos já o fizeram, o eco da voz popular, lembrando-lhe que “O POVO É QUEM MAIS ORDENA”.
Braima Dabó
Imagem: AI
24 de setembro de 2024
Gostava muito de poder expressar aqui hoje por escrito e dizer coisas bonitas, inspiradoras e terminar com a frase Feliz dia da Independência da Guiné-Bissau...
Contudo, fazer isso não estaria a ser sincero comigo e estaria a compactuar com as ideias que norteiam a comunidade internacional, nomeadamente CEDEAO, União Africana, CPLP, União Europeia e Nações Unidas, de que a Guiné-Bissau tem feito progressos muito significativo na matéria dos Direitos Humanos, Agricultura, Educação e Saúde desde início da sua independência.
Como se constata todos os dias, os guineenses não têm motivos para celebrar.
Nos últimos anos temos observado que os nossos dirigentes têm usado dois modelos de discursos: 1º para convencer a comunidade internacional de que a Guiné-Bissau é um país de sonho em que todos querem ir viver, mas que na realidade é um país de sonho para certa classe da elite, com possibilidades e regalias para fazer controlo de saúde na Europa quando querem porque os ' profissionais destes países são mais competentes e qualificados'.
O 2º centra-se num discurso de muita lábia nas tabancas (aldeias) a fazerem promessas de projetos de desenvolvimento, que nem se quer tenham ousadia de apresentar um documento físico.
Tudo é baseado em apresentações de fotografias (quando dispõe) de algum evento com líderes europeus, que este ou aquele lhe apoia...
Porém, nem todos conseguem fazer estas distinções nas tabancas (aldeias).
A verdade é que todos os setores ainda continuam precários, em que reina a lei da selva "só os mais fortes sobrevivem"...
Desta feita, os guineenses não têm motivos para celebrar porque ainda batalhamos pelos melhores dias.
Em vez de usar a frase, Feliz dia da Independência da Guiné-Bissau, prefiro desejar a todos uma boa reflexão no dia da independência e continuação de bons trabalhos na promoção da Guiné-Bissau inclusiva, onde todos se sintam em casa e podem construir seus futuros sem necessidade de imigrar.
Braima Dabó
Imagem: FRDMN